Mercúrio é o planeta mais próximo do Sol. Atualmente este é um fato que não colocamos em dúvida, porém na segunda metade do séc XIX acreditava-se que existia um planeta ainda mais próximo do Sol: o planeta Vulcano, anunciado pelo astrónomo francês Urbain Le Verrier.
O astrónomo Urbain Le Verrier ficou célebre pela descoberta do planeta Neptuno em 1846. Essa descoberta foi feita com base na constatação de que a órbita do planeta Úrano não parecia estar totalmente de acordo com o que seria de esperar com base na lei da gravitação apresentada por Isaac Newton. Essa aparente “anomalia” na órbita de Úrano seria explicada pela influência de um outro planeta até então desconhecido. Com base nesta ideia, Urbain Le Verrier tentou descobrir a localização desse planeta recorrendo a cálculos matemáticos. Esses cálculos revelaram-se certeiros tendo sido descoberto um planeta até então desconhecido, o planeta Neptuno.
Com base nessa bem sucedida descoberta realizada com base em cálculos matemáticos, alguns anos depois Urbain Le Verrier veio propor a existência de um planeta que estaria mais próximo do Sol que Mercúrio. A órbita do planeta Mercúrio apresentava algumas discrepâncias em relação ao que seria suposto com base na teoria da gravitação. Assim, a existência de um planeta ainda não observado explicaria essas discrepâncias, tal como a existência de Neptuno tinha explicado as discrepâncias da órbita de Úrano. A este suposto novo planeta foi dado o nome de Vulcano.
Dada a proximidade do planeta Vulcano em relação ao Sol, este seria um planeta cuja observação seria muito difícil. As duas maneiras mais fáceis de o observar seria durante um eclipse total do Sol, ou observando uma passagem do planeta Vulcano em frente do Sol (trânsito de Vulcano).
Em 22 de Dezembro de 1859, o astrónomo amador Edmond Modeste Lescarbault escreveu uma carta a Urbain Le Verrier anunciando que, alguns meses antes, tinha observado um astro a passar em frente do Sol. No dia 31 de Dezembro desse mesmo ano, Urbain Le Verrier visitou Edmond Lescarbault e ficou convencido que o astrónomo amador tinha mesmo observado o planeta Vulcano.
Apesar disso, nenhum outro astrónomo conseguia encontrar o planeta Vulcano. O próprio Le Verrier tentou, sem sucesso, observar o planeta Vulcano em 18 de Julho de 1860 durante um eclipse.
Nos anos seguintes, muitos astrónomos profissionais e amadores empreenderam a tarefa de tentar observar o planeta Vulcano, porém também sem sucesso. Urbain Le Verrier continuava com o propósito de observar Vulcano, e para isso realizou novos cálculos. No entanto, Urbain Le Verrier acabaria por falecer em 1877, tendo ainda deixado uma previsão, baseada em seus cálculos, que no dia 15 de Outubro de 1882 ocorreria um trânsito do planeta Vulcano. Todavia, na data apontada, tal trânsito não foi observado.
No dia 29 de Julho de 1878, ocorreu um eclipse total do Sol. O astrónomo James C. Watson aproveitou esse eclipse para procurar o planeta Vulcano. Posteriormente este astrónomo anunciou ter observado um astro a 2º do Sol tendo-o identificado como sendo Vulcano. Esta observação teve boa aceitação dado que este já era um astrónomo conceituado na época, tendo realizado a descoberta de 22 asteróides. Para além disso, o astrónomo Lewis Swift (um “caçador” de cometas) também declarou ter observado um objeto celeste durante o eclipse, acreditando tratar-se do planeta Vulcano.
Porém, estas observações não foram aceites por todos. Outros astrónomos também observaram o eclipse e não viram o suposto planeta Vulcano. Foi sugerido que os astrónomos James Watson e Lewis Swift poderão ter observado uma estrela (que obviamente não faz parte do Sistema Solar) pensando tratar-se de Vulcano.
No dia 6 de Maio de 1883, o astrónomo Étienne-Léopold Trouvelot também pensou ter observado o planeta Vulcano durante um eclipse.
De fato os resultados entre diversas observações eram contraditórios. A anomalia na órbita de Mercúrio parecia apontar para a existência de um outro planeta, mas tal ainda não estava confirmado. Como alternativa chegou a ser sugerida a existência de um anel de asteróides entre a órbita do planeta Mercúrio e o Sol. Chegou também a ser sugerida uma pequena alteração na lei da gravitação de Newton.
Ao chegar aos anos de 1900, com a utilização da fotografia nos eclipses do Sol, a questão de Vulcano começou a ficar definida. Se o planeta Vulcano existisse, certamente que figuraria nas fotografias. Como Vulcano não aparecia em nenhuma foto, começou a ficar claro que tal planeta não existia.
Em 1915, a questão do planeta Vulcano ficaria definitivamente resolvida. Nesse ano surgiu a teoria da relatividade geral de Albert Einstein. Através dessa teoria, a “anomalia” da órbita do planeta Mercúrio ficava totalmente explicada. Segundo essa teoria, o “espaço-tempo” torna-se “curvo” na presença de matéria, neste caso do Sol. Tal teoria explicava com rigor a “anomalia” de Mercúrio, situação que não podia ser explicada com recurso à teoria da gravitação de Newton. Caía assim a teoria da existência do planeta Vulcano.
Hoje sabemos que o hipotético planeta Vulcano não existe. Alguns astrónomos poderão ter sido iludidos em suas observações, talvez confundindo asteróides, cometas ou estrelas com o planeta Vulcano.